O Δ9-THC, o composto psicotrópico que está presente na planta da Cannabis sativa, sempre foi alvo de preconceitos e com isso houve muitas dificuldades relacionadas as pesquisas e ao correto entendimento dos seus mecanismos farmacológicos.
O potencial psicotóxico e os possíveis transtornos psiquiátricos que o Δ9-THC pode causar são os tópicos mais discutidos. Todavia, hoje sabe se que o Δ9-THC é uma substância psicotomimética, mas em um contexto medicinal com uma prescrição assertiva, esse composto apresenta propriedades terapêuticas únicas e efeitos colaterais mínimos.
Antes de falarmos sobre seus efeitos terapêuticos, mitos e verdades, vamos entender a diferentes entre uma substância psicotomimética, psicotrópica e psicoativa.
Substância psicotomimética: também conhecida como substância psicodélica ou alucinógena, é aquela que produz mudanças psicológicas na percepção, no humor, no pensamento, além de produzir efeitos mentais que se assemelham ou imitam estados psicóticos.
Substância psicoativa: também conhecida como substância psicotrópica, é aquela que atua no cérebro modificando o seu funcionamento e a sua neuroquímica temporariamente, podendo provocar alterações de humor, na percepção, no comportamento e nos estados de consciência.
Exemplos: a psicolocibina, encontrada em algumas espécies de cogumelos, é uma substância psicoativa e psicotomimética. Já a cafeína é uma substância somente psicoativa. Na planta da Cannabis sativa, encontramos o Δ9-THC que é uma substância psicoativa e psicotomimética. Já o canabidiol (CBD) é somente psicoativo.
Tendo esclarecido a farmacologia, vamos aos mitos e verdades!
1. Overdose letal com altas doses de Δ9-THC – MITO
Até os dias de hoje não há evidências científicas ou registros clínicos de sequelas graves ou morte pelo uso excessivo de Cannabis. Após algumas pesquisas, a explicação para isso se dá pelo fato de quase não haver receptores canabinoides no tronco encefálico, local no cérebro onde ocorre o controle cardiorespiratório. Os poucos relatos de morte por overdose envolvendo os canabinoides incluem o uso de canabinoides sintéticos e associações com drogas lícitas e ilícitas.
2. O Δ9-THC mata neurônios – MITO
Erroneamente foi difundida a informação de que a Cannabis mata neurônios. Essa informação se iniciou após um experimento realizado com macacos em 1974. Neste experimento, três macacos Rhesus foram expostos a inalação de 30 cigarros de Cannabis ao dia (aproximadamente mil cigarros/mês), durante 12 meses. Resultado: morte precoce dos animais, e o estudo histopatológico do tecido cerebral evidenciou dano e morte neuronal, no qual os cientistas atribuíram aos compostos químicos da Cannabis, especialmente ao Δ9-THC. Todavia, análises de pesquisadores independentes concluíram que a causa da morte desses animais foram, na verdade, hipóxia e isquemia resultantes da intoxicação por monóxido de carbono. É verdade que o Δ9-THC, a depender da dosagem e forma de administração, pode sim, causar alterações nos processos de aprendizagem e memória, mas não indução de morte neuronal. E nenhum outro grupo de pesquisadores no mundo conseguiu até hoje reproduzir “a metodologia científica” aplicada nesse estudo e concluir resultados similares. Estudos recentes mostram o contrário, sendo o Δ9-THC um potente anti neuro-inflamatório e anti neuro-oxidante, preservando e regenerando os neurônios (Suliman N. A.; et al., 2018).
3. Δ9-THC pode estimular o uso de outras drogas – MITO
A hipótese de que o uso da Cannabis de forma recreativa é uma porta de entrada para outras drogas não é verdadeira. O que é apontado cientificamente em estudo da Universidade de Pittsburgh, que realizou um acompanhamento de 214 meninos com algum tipo de envolvimento com drogas dos 10 aos 22 anos e não constatou nenhuma relação direta entre o consumo da cannabis e o uso de outras substâncias. Para os pesquisadores, problemas familiares se mostraram muito mais influentes no uso de drogas do que o uso da Cannabis.
4. Não há evidências conclusivas dos benefícios terapêuticos da Cannabis – MITO
Outro mito é a informação de que não há evidências científicas sobre o Δ9-THC. Como podemos ver na figura abaixo há mais de 9 mil resultados de artigos publicados com as palavras “delta 9 THC”. O primeiro estudo da Cannabis foi realizado no século 19 pelo médico irlandês William O’Shaughnessy, que relatou os benefícios do uso do medicamento para controle de crises epilépticas em um bebê de 40 dias de vida. Desde então, inúmeras pesquisas científicas foram realizadas sobre a substância, de modo que podemos ver no gráfico em verde como houve um aumento significativo dos estudos publicados entre os anos de 1947-2025.
5. Promissor no tratamento de dores crônicas – Verdade
O tratamento com o Δ9-THC modifica a percepção do estímulo da dor, através de sua ação nos receptores CB1 localizados no córtex sensitivo-motor e da amígdala, modulando os componentes emocionais e cognitivos relacionados à dor (Linher-Melville et al., 2020).
6. Relaxante muscular – Verdade
Evidências científicas demonstram o papel de relaxante muscular do Δ9-THC, especialmente em pacientes com esclerose múltipla, no qual apresentam rigidez muscular e dores associadas a espasticidade. O Δ9-THC modifica a percepção do estímulo doloroso e reduz a espasticidade não só nos pacientes portadores de Esclerose Múltipla, mas também os espasmos musculares advindos de sequelas neurológicas após um AVC, por exemplo (Arroyo González, 2018).
7. Antiemético (diminui náuseas e vômitos) – Verdade
O potencial anti-emético é mais uma propriedade medicinal do Δ9-THC, já bastante conhecida e explorada há milênios. Estudos já demonstraram uma redução significativa na emese associada ao uso de quimioterápicos. Em pacientes com câncer, o Δ9-THC além de apresentar efeito anti-emético, estimula o apetite, reduz quadros de dor e ansiedade e ainda induz um melhor padrão de sono, sendo um complemento terapêutico valioso em pacientes oncológicos, em tratamento quimioterápico.
8. Estimulador do apetite (hormônios grelina e leptina) – Verdade
Medicamentos à base de Cannabis enriquecidos em Δ9-THC são utilizados com sucesso em pacientes oncológicos e pacientes portadores de doenças que induzem à caquexia, como HIV e alguns transtornos neuropsiquiátricos (Bayer, 2001; Johnson et al., 2021).
9. Indutor do sono – Verdade
Estudos têm demonstrado esse “efeito colateral” do Δ9-THC. Inclusive, na prática, é comum conseguirmos reduzir e desmamar o uso de benzodiazepínicos e outros medicamentos utilizados por pacientes que sofrem de insônia e outros distúrbios do sono (Kaul et al., 2021).
Conclusão:
Através da luz do conhecimento podemos concluir que muitos mitos já foram combatidos pela ciência e é assim que a utilização da Cannabis para fins medicinais vem ganhando cada vez mais espaço e credibilidade. Ter conhecimento científico de qualidade é a melhor forma de se combater a desinformação e os preconceitos em torno dessa molécula tão rica que é o Δ9-THC. Nós da empresa Alivitta labs ajudamos os profissionais da área da saúde a ter acesso a informação científica e na prática clínica através da nossa plataforma de educação continuada, a XLR8 Academy. Entre em contato e faça parte do nosso time!
Referências
Arroyo González, R. (2018). A review of the effects of baclofen and of THC:CBD oromucosal spray on spasticity-related walking impairment in multiple sclerosis. In Expert Review of Neurotherapeutics (Vol. 18, Issue 10, pp. 785–791). Taylor and Francis Ltd. https://doi.org/10.1080/14737175.2018.1510772
Bayer, R. E. (2001). Cannabis Therapeutics in HIV/AIDS, Plus, a Modest Proposal.
Johnson, S., Ziegler, J., & August, D. A. (2021). Cannabinoid use for appetite stimulation and weight gain in cancer care: Does recent evidence support an update of the European Society for Clinical Nutrition and Metabolism clinical guidelines? In Nutrition in Clinical Practice (Vol. 36, Issue 4, pp. 793–807). John Wiley and Sons Inc. https://doi.org/10.1002/ncp.10639
Kaul, M., Zee, P. C., & Sahni, A. S. (2021). Effects of Cannabinoids on Sleep and their Therapeutic Potential for Sleep Disorders. https://doi.org/10.1007/s13311-021-01013-w/Published
Linher-Melville, K., Zhu, Y. F., Sidhu, J., Parzei, N., Shahid, A., Seesankar, G., Ma, D., Wang, Z., Zacal, N., Sharma, M., Parihar, V., Zacharias, R., & Singh, G. (2020). Evaluation of the preclinical analgesic efficacy of naturally derived, orally administered oil forms of Δ9-tetrahydrocannabinol (THC), cannabidiol (CBD), and their 1:1 combination. PLoS ONE, 15(6). https://doi.org/10.1371/journal.pone.0234176
Suliman N. A.;, Taib C. N. M;, Moklas M. A. M;, & Basir R. (2018). Delta-9-Tetrahydrocannabinol (Δ9-THC) Induce Neurogenesis and Improve Cognitive Performances of Male Sprague Dawley Rats. In European Journal of Clinical Investigation (Vol. 48, Issue 5). Blackwell Publishing Ltd. https://doi.org/10.1111/eci.12920