Fitocanabinoides

Estudos mostram que a planta da Cannabis sativa dá origem a mais de 100 fitocanabinoides, no qual originou grande interesse na pesquisa científica e na medicina devido aos seus diferentes efeitos terapêuticos. Neste post vamos dar ênfase aos mais estudados como o Δ9-THC, CBD, CBG, CBN, CBC e Δ9-THCV (1,2).

Δ9-tetrahidrocanabinol (Δ9-THC)

O Δ9-tetrahidrocanabinol (Δ9-THC), é o fitocanabinoide mais conhecido e encontrado em maior abundância na planta da Cannabis sativa. Ele é o composto responsável pelos efeitos psicotomiméticos (psicotrópicos/euforizantes) e interage principalmente com os receptores CB1 e CB2 do sistema endocanabinoide. Através da sua ligação aos receptores CB1 localizados no córtex sensitivo-motor e amígdala, há diminuição da liberação de glutamato, um dos principais neurotransmissores que são responsáveis por passar a informação de dor e assim seus efeitos analgésicos podem ser percebidos (3). Ademais, estudos mostram que seu potencial anti-inflamatório é 80x superior ao da aspirina e 2x mais potente que a hidrocortisona (4). O efeito antiemético do Δ9-THC já é utilizado há milênios, sendo atualmente muito utilizado no manejo das náuseas e vômitos associados ao tratamento quimioterápico (5).

Figura 1: Estrutura química do Δ9-THC

 A ativação dos receptores CB1 também modula nossa memória, percepção sensorial, coordenação motora, além de ter um papel anticonvulsivante, miorrelaxante e antitumoral. O Δ9-THC também age como um orexígeno, ou seja, estimula o apetite em pacientes debilitados como pacientes oncológicos e HIV positivos (6). Através da sua ligação aos receptores CB2, o Δ9-THC promove efeitos anti-inflamatórios, imunomodulatórios e um papel importante na neuroinflamação (7,8).

Canabidiol (CBD)

O canabidiol (CBD) é o segundo fitocanabinoide mais encontrado na planta da Cannabis sativa e o mais estudado devido aos seus inúmeros efeitos terapêuticos e a não presença de efeitos psicotomiméticos, como os encontrados no Δ9-THC. Seus diferentes efeitos terapêuticos são resultado da sua capacidade em se ligar de diferentes maneiras em diferentes tipos de receptores, apresentando uma ação multimodal. Diferentemente do composto Δ9-THC, o CBD não se liga diretamente nos receptores CB1 e CB2, sendo seu principal mecanismo de ação no sistema endocanabinoide a inibição da enzima de degradação do endocanabinoide anandamida, a FAAH, aumentando os níveis desse endocanabinoide no organismo (9). Seus efeitos anti-inflamatórios, analgésicos e neuroprotetores ocorrem através da sua ligação aos receptores TRV1 e PPARγ. Já seus efeitos ansiolíticos acontecem pela ligação do CBD aos receptores 5HT1A. O CBD também age como um modulador alostérico negativo dos receptores CB1, de modo que atenua os efeitos adversos causados por altas doses de Δ9-THC (10–12).

Figura 2: Estrutura química do Canabidiol

Canabigerol (CBG)

O canabigerol (CBG) é considerado o precursor “mãe” dos fitocanabinoides, pois é a partir do ácido canabigerólico que os outros compostos canabinoides são formados. O CBG, assim o CBD, não apresenta os efeitos psicotomiméticos e confere diferentes efeitos terapêuticas pela sua capacidade de se ligar em diferentes tipos de receptores, como os receptores CB1 e CB2, TRPV1, 2 e 4, TRPA1. Estudos mostram seus efeitos especialmente anti-inflamatórios e analgésicos, além de apresentar efeitos antibacterianos e imunomodulatórios. Seu efeito anti-inflamatório em doenças inflamatórias intestinais, como a colite, já é demonstrado em pesquisas, de modo que o CBG diminui a expressão de citocinas pró-inflamatórias (13). 

Figura 3: Estrutura química do Canabigerol

Um estudo recente de 2024, demonstrou o CBG diminuiu a ansiedade, estresse e melhorou a memória verbal de adultos (14). Além disso, um estudo demonstrou que o CBG é um potente agonista dos receptores α2-adrenérgicos, no qual modula a neurotransmissão melhorando a comunicação entre os neurônios do córtex pré-frontal (15).

Canabinol (CBN)

O canabinol (CBN) é um fitocanabinoide que é resultado da oxidação da molécula do Δ9-THC. Com a ação do tempo, luz, calor, ar, o Δ9-THC vai se transformando em CBN, no qual perde seus efeitos psicotomiméticos e ganha efeitos sedativos e relaxantes. Dessa maneira, as pesquisas mostram o potencial do CBN em induzir o sono, diminuir o número de despertares noturnos e melhorar a qualidade do sono. Ademais, o CBN não causa fadiga, indisposição e a “ressaca” no dia seguinte, efeito muito observado nos medicamentos alopáticos para induzir o sono (16,17). Além disso, também possui propriedades ansiolíticas, anti-inflamatórias e analgésicas.

Figura 4: Estrutura química do Canabinol

Canabicromeno (CBC)

O canabicromeno é um fitocanabinoide menos encontrado na planta da Cannabis sativa, porém apresenta importantes efeitos terapêuticos. Seu efeito anti-inflamatório ocorre através da diminuição da liberação das interleucinas 1β e 6 e do fator de necrose tumoral-α (TNF-α)  (18) A modulação da via descendente da antinocicepção, através da sua ação multimodal nos receptores CB2, TRPV1, TRPV3, TRPV4, TRPA1 promove o efeito analgésico do CBC (19) Ademais, esse composto pode induzir a neurogênese pela expressão de vários genes correlacionados com o processo de diferencial neuronal, o que ajuda no processo de regeneração do SNC (20).

Figura 5: Estrutura química do Canabicromeno

Δ9-tetrahidrocanabivarina (Δ9-THCV)

A partir da descarboxilação do ácido Δ9-tetrahidrocanabivarina (Δ9-THCVA), o Δ9-THCV é formado, no qual não apresenta os efeitos psicotomiméticos do Δ9-THC. Atualmente, esse composto tem despertado o interesse de médicos e cientistas devido seus efeitos na obesidade e diabetes mellitus, pela sua capacidade de reduzir o apetite (21,22). O Δ9-THCV também possui efeitos anticonvulsivantes, antioxidantes e analgésicos, seguindo o perfil dos fitocanabinoides com seus diferentes efeitos terapêuticos (23).

Figura 6: Estrutura química do Δ9-THCV

Conclusão:

Podemos observar que os fitocanabinoides possuem diferentes efeitos terapêuticos no organismo, o que expande o número de patologias em que a Cannabis medicinal pode auxiliar. Os fitocanabinoides mais estudados são o Δ9-THC e o CBD, porém os outros fitocanabinoides, também conhecidos como fitocanabinoides menores, já estão sendo explorados pela ciência.

Compreender os diferentes mecanismos de ação de cada fitocanabinoide se faz importante para o sucesso da prática clínica, aplicando os diferentes fitocanabinoides de forma correta para cada patologia em questão.

Referências:

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  6. Mattes RD, Engelman K, SHAWt LM, Elsohly MA, Engelman K, Shaw LM, et al. Cannabinoids and appetite stimulation. Vol. 49, Pharmacology Biochemistry and Behavior. 1994.
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  9. Elmes MW, Kaczocha M, Berger WT, Leung KN, Ralph BP, Wang L, et al. Fatty acid-binding proteins (FABPs) are intracellular carriers for Δ9-tetrahydrocannabinol (THC) and cannabidiol (CBD). Journal of Biological Chemistry. 2015 Apr 3;290(14):8711–21.
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  21. Haghdoost M, Peters EN, Roberts M, Bonn-Miller MO. Tetrahydrocannabivarin is Not Tetrahydrocannabinol. Cannabis Cannabinoid Res. 2024;
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